III História da Avozinha - É dos genes, é pois.
na infância da vida tinha uma família. inteira, inteirinha como toda a gente, com mãe e irmã com pai tios e avós.
na infância tinha e na adolescência e na juventude e até há uns anos atrás ainda a tinha , mais pequena já, mas família ainda.
quando era menina, na casa da avó, alentejo ardente, nunca se falava de uma tia velha, tia-avó, diziam vizinhas à volta da rua branquinha, caiada em baixo de azul.
- avó. vou ali à rua brincar.
- onde? não vás longe. são horas de almoço ou quase. comeste tão pouco. o avô vai chegar...
já nem a ouvia calcanhares batendo nas saias compridas. os sapatos brancos mal tocavam a terra batida da rua.
- é ali ao fundo, viras à direita, a 3ª casa, tem a porta aberta. vai ficar feliz. dizem que é louca. vê espíritos e fala com eles até... não tens medo, lena?
correu mais ainda. chegou ofegante. bateu de mansinho com os nós dos dedos.
- entra.
entrou.
- olá tia.
tinha a mesa posta para três pessoas.
A mad woman - Eugène DELACROIX
- és a madalena, não és? que bonita! esperava por ti.
estranhou. estranhou muito mas não disse mais que, depois de beijá-la:
- espera alguém para o almoço? eu volto outro dia...
- a mesa? não. é só para nós três.
sentaram-se as duas. a louca simpática tia, contou como lhe morrera uma filha jovem ainda e que ela esperava para as refeições. previra-lhe a morte. tudo o que de mal advinha aos seus previa ela sempre.
- ponho sempre um prato a contar com ela. nunca falta, nunca. está quase na hora de ela chegar, esperas um pouquinho?
- a lena não pode. desculpe-me mana, mas tenho a comida dela a esfriar.
a avó fora-lhe, ansiosa, no encalço ao saber onde tinha ido.
da tia-avó louca guardou o amor à filha que lhe vira nos olhos bondosos. da prima não soube se aparecia ou não.
mas se a mãe a via, que importava o pouco que a crença dos outros dava à verdade que ela tinha, exposta na alma e na mesa de toalha branca e prato florido de espera festiva?
essa tia-avó soube que morreu.
anda por aí muita gente louca sem o assumir. disso sabe agora.
pobre o que não sabe ver a própria história. contrói sua casa em terra arenosa. mais tarde ou mais cedo acaba a ruir.
7 passos
Foi boa esta sensação de passear pela estrada irreal de pés descalços... Já quase me esquecera do calor da terra, do pico do cardo... Gostei de passar e hei-de voltar.
:)
Tens razão, Madalena, pobre é o que não sabe ver a própria história. Gostei de te ler. Beijinhos
... e nem ouvese lha querem contar...
Tão triste, Lique, quanto grave.
:(
Bjs
Gostei deta história:) e tens toda a razão:) beijos
a nossa história tem as nossas fundações. portanto se não as soubermos respeitar...beijos M.
Fez-me lembrar tanta coisa, este texto...
Jinho Enorme!
BShell
Enviar um comentário
<< Home