o rochedo
nunca perdeu a vontade de trepar, escalar o que houvesse de obstáculo terroso pelo caminho. os joelhos esfolados mantiveram-se até tarde no tempo. quando podia deixava-se escorregar na descida.
nas descidas mais íngremes aprendeu a não olhar para baixo. serviu-lhe mais tarde para a vida. olhar para o fundo pode dar vertigem ou atracção do abismo. e isso ela não quer sentir.
mas a mais difícil escalada foi o colo do avô.
estranham? ela também estranhou, mas só de início. já em muito menina lhe diziam as primas:
- deixa o avô. ele não tem paciência...
- quem és tu? ah, és a filha da bia! és magrinha. parece que não bebes caldo quente.
tirava a mão de cima dos cabelos loiros da neta e voltava ao que fazia antes dessa atenção.
ela não se habituara muito a colos nem gostava que a agarrassem. por dentro agradecia. mas à noite, ouvia o pai e o avô falarem de histórias que a encantavam e mal compreendia.
o avô e o pai, juntos, riam.
era um rochedo que um dia ela tinha de escalar. mais até por ser um desafio.
o avô estivera na guerra de espanha. diziam que depois disso se tornara duro.
de uma vez, sem mais aquelas, ao seu jeito, estando o avô sentado numa cadeira alta, sozinho frente ao fogo, ela passou-lhe uma perna esguia por cima do joelho e sentou-se.
desta vez foi a neta a por-lhe uma mão nos cabelos.
- avô conte aquelas histórias da guerra que contava ao meu pai.
- quais histórias? eu sei lá histórias!
- conte as verdadeiras. as que eu gosto.
- já não me lembro...
- lembra pois!
- o raio da rapariga do que se havia de lembrar!
só se for daquela vez em que à noite assaltámos a trincheira dos outros a roubar pão e chouriços ao inimigo que a fominha era de rapar...
- sim avô, conte conte!
tinha escalado o último rochedo.
quando as mulheres voltaram da rua espantaram-se com o quadro inédito na casa, o avô com uma neta espigadota ao colo contando entusiasmado, histórias que um dia ela tentará contar.
- agora salta lá para o chão que já estás grande para colos!
- sim avô.
8 passos
Gosto muito da maneira como escreves e dos assuntos que escolhes.
Adorei este texto especialmente porque me revejo um pouco nele.
Desculpa a pergunta, mas, qual é o dia do teu aniversário?
:)
Olá papo-seco!
:)
não há pq pedir desculpa é 9 de novembro.
Bj.
:)
:) que boa escalada, linda:) beijos
Bela história. Original, bem escrita, sentida.
Muito bem!
E pela tua mão, recordei o meu avô :-) Obrigado
Beijos
Obrigado
:)
sinceramente
com a lágrina no canto do olho
recordei o meu querido avô...
fui neto, um dia serei avô
e gostava de ser também mais um rochedo...
:-)
bigado
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