outra luz
Paul Cezanne, "Los jugadores de cartas"
depois de jantar os homens jogavam cartas. não a dinheiro que isso não havia. a rebuçados. depois levavam os rebuçados para casa e era festa para a miudagem.
o pai também jogava, no início.
mas o pai tinha outros sonhos. outra luz. o pai sabia ler.
havia educação de adultos feita pelo estado. mas os homens eram contra o governo e não só isso: tinham vergonha de ir à escola, com aquele tamanho todo de quem é chefe de família.
foi aí que o pai propôs que fossem lá para casa 3 vezes por semana. ele ensinava e era de borla. ainda por cima à noite. ninguém ia saber ao que é que iam.
(as noites que sobravam eram para escrever poemas até o sono o derrubar).
ela escrevia sem erros. por qualquer razão a irmã mais velha não. daí a honra súbita:
- lena, dás uma ajudinha ao pai?
- sim. o que é?
- andaram para aí a mudar a grafia das palavras. não vou ensinar os homens a escrever com erros... corrijes os ditados?
- claro, pai.
à noite, no silêncio respeitoso da sala, os homens sentados à volta de uma mesa sem cartas passavam-lhe os cadernos. ela lia-os e a lápis, muio leve, quase envergonhadamente, assinalava os erros. passava então os cadernos ao pai para ele ver melhor.
assim arranjou amigos entre os homens, que passaram a jogar a chocolates dos bons, dos da regina.
os que não tinham filhos traziam-nos, contentes, para ela.
- toma lena, ontem ganhei estes todos! mas dás também à tua irmã.
o senhor, Mário.
o senhor Mário aprendeu a ler e fez o exame. passou. tirou a carta.
o pai, escrevia poemas como sempre:
- lena, arranja aí uma rima para aventureiro...
4 passos
Cada vez mais lindas estas "estórias":) beijos
Exagerada!
:) Brigada. BFS
Madalena: a contadora de histórias.
a da escrita limpa!
é bom que haja hoje mais dinheiro que naquele tempo (?), mas sempre era preferível que continuassem a jogar a rebuçados. chocolates regina: saudades.
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