15 junho 2005


Nicola Di Nunzio


o alentejo ardente não era só poesia e cor e o ardila, rio de sons de harmonia.


o alentejo pode ser e é quase deserto, perto à raia de espanha onde o longe e o perto não se distinguem já.


dessa vez insistiram ainda mais, que não fosse.


- o ano foi tão mau. e o tio está a trabalho num monte com a tia, nos quintos dos infernos. não aguentas lá.


que sim, que aguentava.


- gosto do tio manel que sabe tanta coisa.


- são coisas inventadas.


a mãe, real crueza. se nunca fora doce...


- mas não faz mal, eu gosto de tudo o que ele conta.


- o raio da rapariga e a sua teimosia!


foi por tanto teimar que avisaram a tia.


o tempo era de seca. as ovelhas inventavam o pasto que comiam. comiam o restolho. toda a palha que havia era comprada já, ou o gado morria.
mas ela não pensava nisso. ela corria. com o primo rodrigo seu amigo de sempre.


- senta-te aqui à sombra, filha, que está uma torreira de queimar um qualquer!


ela já tinha a pele de cor aciganada, o sol não a tisnava porque mais não podia.


- vou só ali acima espreitar o que há para lá do outeiro, tia.


e enquanto falava corria tanto que a resposta já nem ouvir podia.
chegada ao outeiro olhou á volta. que planura daquele montinho cinza e vermelho de terra a vista alcançava!

assim ficou um pouco. presa de encantamento. tão largo o hozizonte!


subitamente viu, mesmo por baixo dela escondido no pequenino monte, um buraco redondo com olhos a espreitar. desceu acocorou-se e ficou a olhar.


in

não ficou muito tempo. quem sabe a mãe andasse ali por perto. bicho manso não era, isso tinha por certo.

na volta a casa não contou a ninguém senão ao primo quando ele regressou de ajudar o pai. e à hora da janta, trocavam olhares cúmplices que quem estivesse atento podia bem notar.

noite de meia lua. luz, a do candeeiro e a da lareira acesa para a água do café. os cabos eléctricos não chegavam tão longe. quem vivesse ali tinha por vocação ou não, pura vida de monje.

da noite veio um uivo de arrepiar. depois, espaçado, outro. de repente parecia que era a planície que estava a uivar.

- que é tio? - perguntou com medo.


photo by John H. Gerard;Canis Lupus, howling

- são lobos, filha. vêm ao cheiro dos borregos. há várias noites que andam a rondar.

na porta vozes de homens. o tio pegou um longo longo pau.

- não vai matar os lobos pois não? eles comem-no antes, tio?

- não filha, é assim: em um abrindo a boca direito ao tio enfio-lhe o vara-pau pela bocarra adentro. depois enfio o braço apanho-lhe o rabo e viro-o ao contrário.

seria talvez falso como a mãe tinha dito. mas de momento acalmara-lhe o coração aflito.

adormeceu antes do grupo que partiu com o tio voltasse a casa. meio da noite acordou com uma cantoria. eram os homens, que à fresca, descansavam tendo já um graozinho na asa. e lá ralhava a tia...

nem ela nem o primo alguma vez deram o dito por não dito. nenhum deles contou em casa haver ali pertinho, a toca do lobito.

4 passos

Blogger wind andou...

Fizeste-me sorrir com esta história cheia de ternura:) beijos

quarta jun. 15, 05:51:00 da tarde  
Blogger lique andou...

Gosto muito de ler estas tuas histórias. Uma delícia. Beijinhos

quarta jun. 15, 10:39:00 da tarde  
Anonymous Anónimo andou...

Ler as tuas histórias fazem-me fechar os olhos, regressar a tempos idos e recordar com amor momentos adormecidos. Um beijo e obrigado.

quinta jun. 16, 12:06:00 da manhã  
Blogger batista filho andou...

Já vim aqui diversas vezes. Espreitei, através do teu rememorar, a toca dos lobos; conheci o falar fantasioso do tio; vi tu e teu primo a correr como se fossem filhos do vento... Como o fazes bem, amiga: contar!... e mesmo o "quase" contar chega cristalino: ferro em brasa a queimar tua pele, ferro em brasa a chamuscar meus sentidos.

quinta jun. 30, 12:27:00 da tarde  

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