10 maio 2005

aí não está...


in

de qualquer troço de quintal o pai fazia horta. não só para se comer, porque gostava da terra. aliviava-o do trabalho fechado.

numa das casas os quintais davam uns para os outros. o poço era comum. assim regavam. ela não, que não sabia ainda virar o balde lá no fundo, diziam.

- olha, filha, se queres mesmo ajudar o pai, mata os ovos que encontrares debaixo das folhas das couves.

- para quê pai?

- nascem lagartas e comem tudo.

- as lagartas pôem ovos?

- não. são as borboletas.

- não mato borboletas. são bonitas.

- está bem, são só os ovos das lagartas.

- posso arrancar uma cenoura?

- podes. lava-a da terra. estão tenrinhas agora e fazem os olhos bonitos. mas isso tu já tens.

era assim o pai. sorridente. carinhoso. paciente com ela.



- andas na horta com o fio? ainda o perdes.

a mãe.

ela não gostava do fio por causa disso. alguém lho tinha dado e era de ouro. desde aí não tivera descanso:

- olha o fio! ainda o prendes nas árvores e lá se vai...

mete o fio para dentro da blusa, ainda te o roubam.

farta, um dia tirou-o e decidiu livrar-se do calvário do ouro.

ao almoço alguém deu pela falta.

- perdeste o fio lena?

- não.

não mentia. não gostava.

- então onde é que está?

- não me lembro.

- ela sabe bem o que lhe fez!

- calma, a gente encontra-o.

depois de almoço reviraram a casa.

- está aqui, lena?

- não. aí não está.

depois foi o quintal virado do avesso.

cada alface, tomateiro, feijão verde era visto da folha à raiz.

- aí também não está.

dizia acompanhando os passos dos adultos. os vizinhos, dois deles, faziam parte já da busca ao ouro. entreajudas antigas.

até que o pai se lembrou do poço.

- e aqui, filha, estará aqui, sabes?

- corou.

- deitaste-o ao poço?

silenciou.

- bem, lá vamos ter de o despejar...


não sabia ela que se podia despejar um poço.

mas também não a obrigaram a usar ouro por muitos anos e bons.

5 passos

Blogger batista filho andou...

As mãos, a terra: limpar, revolver, semear, adubar, regar (periodicamente) , limpar (várias vezes), esperar... ver... germinar, crescer, madurar, colher... quantos verbos que as mãos amanham...

A terra, as mãos – relação estreita -, que aos poucos, com o deslocamento dos homens para as cidades, vai se desfazendo, como areia muito fina, que escapa por entre os dedos... e o vento espalha.

“Aí não está...”. Está, sim, Madalena: um retrato d’um momento, onde mais uma vez, elas, as mãos, desempenham um papel fantástico – escrever o que lhe vai pela alma!

Parabéns. Um abraço fraterno.

terça mai. 10, 04:58:00 da tarde  
Blogger Madalena andou...

Muito obrigada pelo Teu texto! :)

Terra abençoada!

Abraço!

terça mai. 10, 05:06:00 da tarde  
Blogger José Alexandre Ramos andou...

é uma ternura!

terça mai. 10, 05:29:00 da tarde  
Blogger wind andou...

Que lindinho:) Ternurento.) beijos

terça mai. 10, 10:54:00 da tarde  
Blogger Andre_Ferreira andou...

Raio do oiro que te impedia de brincar à vontade! No meu caso era um relógio, que acabou partido e substituido por um xónix à prova de água e que não levava consigo a etiqueta cuidado! Dava para o rio, para a horta, para a escola e para todo o lado!

A minha horta é que nunca tinha cenouras tão bonitas como as da tua fotografia, eram sempre pequenas e tortas( mas muito saborosas).

Agora nem relógio tenho e o que mais gosto de comer são frutos directamente das árvores :)

Beijos do campo

André

quarta mai. 11, 11:46:00 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home