28 outubro 2005

a minha vizinhança é o máximo! graças a Deus!

ora quem são eles?

tenho os do museu de arte antiga, que lá por estarem todos mortos já, não deixam de ser ilustres, pelo contrário. só se é mesmo importante depois do acto heróico de morrer.

«A Morte de Camões», por Domingos António de Sequeira

não me dou muito com eles, porque estão sempre a dar vezniz no chão do museu e eu tenho alergia. além de que me arriscava a ser internada se me vissem a falar com o Camões no seu catre, mais para lá que para cá.
para ser internada acho que é cedo, embora seja uma boa opção para uma velhice com conversas interessantes e medicação grátis.

depois, ali pertinho, há o Jorge arrumador, mas sai caro em cigarros. trata-me é por drª. descobri-lhe um pé em início de gangrena e lá subi na escala social do bairro.

o bairro, ele mesmo, é protegido. não perguntem de quê porque eu não sei. de ratos baratas e ladrões, não é. mas pronto, se o ippar diz, está dito e não se fala mais nisso.

os preços das casas não foram protegidos, deve ser daí.

mas os vizinhos. ah, nenhum é melhor do que os meus!

sacando trufas

sem incluir na vizinhança um cómico novo rico, que gosta de trufas. ora isso também os porcos e nem por isso eu me vou por a falar com um qualquer...

falo dos outros, dos reais, das reais vizinhas. todas filhas ou netas de varinas. ainda de ouro guardado em atados lenços brancos, para pôr no prego em dia de má sorte. essas varinas!


foto Catedral

agora mudou-se uma para o aburguesado bairro antigo, da velhinha lapa. veio da madragoa. ninguém a avisou que lá já não se é varina, quando muito é-se filha de ex-varina e... olha lá!

então é ouvi-la apregoar dia ou noite:

- ó sua cadela, deixa de andar atrás do cão do meu marido que ele não está com o cio, tu é que andas saída a toda a hora!

isto, com voz de se ouvir até na trafaria. tom cristalino de quem apregoa carapau fresquinho.

dentro da minha casa restaurada, por fora, com tabuinhas verdes, oiço-a a sorrir.

grande povinho o meu! ainda não está todo congelado como o bacalhau da noruega.

27 outubro 2005

palavras molhadas


hoje targo palavras encharcadas de chuva e lágrimas que já não me caiem por pudor, por inutilidade.

que bom, chove! a chuva é como o sol quando vem é para todos. mas será mesmo assim?

o homem da arcada da misericórdia ao pé da paragem do autocarro, perto da minha casa, pensará assim? ainda pensará sequer se a chuva faz falta ou não?

não acredito.

é velho. mais velho que eu. idade exacta indecifrável no olhar opaco, de uma tristeza só.

aquela arcada! quem sabe virá a ser o meu abrigo na reforma de miséria que me aguarda, no fim?

ele tem filhos. foi emigrante. trouxe dinheiro. chegou e repartiu. asneira grossa, agora já não tem - ninguém o quer. vive entre o hospital e a arcada. dos filhos já nem fala.

vive apoiado à bengala, única amiga. esta noite desde que começou a chuva levantou-se da lage, que o chão estava mais molhado que a água que caía.

triste, triste.

passam os carros das gentes protegidas. partem os autocarros de quem tem ainda dinheiro para tecto e passe. ele fica. até quando? - até morrer.

a chuva quando vem é para todos? concerteza. mas mais para uns que para outros, afirmo eu.

22 outubro 2005

quando saí desta estrada irreal

aferrolhei a memória, abri o portão do mundo e fui viver de novo. assim tinha de ser.

lá fora encontrei/reencontrei o meu povo de mágoas mais triste se possível, mais amargo.

algumas vezes para pura infelicidade própria, mau até.

outras, de olhos nublados, pela dúvida pela descrença, no futuro da vida que carrega.

by Nuno Benavente

volto à estrada-irreal depois de muitos carreiros reais, com tropeços alguns, com alegrias muitas, com viveres sempre!

olhos nos olhos com a vida, dois pares de olhos: os meus e os da lucky, seguiremos aqui, como seguimos lá fora, o caminho do nosso Povo amado.


at ypothetical.net

sem promessas literárias, que escritora não sou nem sequer para tal sinto vocação. comunicando apenas.

seja qual for a forma e como eu o souber, comunicando.

até já.