estrada irreal
era quase noite. era ainda dia. vinha a escuridão da estrada vazia.
a menina andava com passos pequenos quase que corria.
- anda Lena, vamos que se acaba o dia.
- ainda falta muito?
ninguém respondia.
ao lado da mãe, não seria medo bem o que sentia, era já cansaço.
- mãe, leve-me ao colo!
a mãe não podia que levava as compras que sempre fazia na vila de sintra perto onde vivia.
mas o perto é longe quando se é pequeno e as pernas tão magras e os braços também. bem que ela os batia como asas ao vento procurando impulsos que a livrassem rápido daquela agonia.
era quase noite. era ainda dia.
só temia o longe do negro que via na estrada vazia.
- mãe, leve-me ao colo!
- não vês que não posso?
ela bem que via. no primeiro troço ainda a levara à ilharga, a mãe, mas era o carrego mais do que devia.
- tenta andar, filha.
porque iam a pé? camioneta havia, mas fora de tempo, já fora do dia. perdida que fora a dentro da hora, não podiam já esperar pela outra que atrás viria. era muito à noite quase ao novo dia...
- se o teu pai tem vindo...
o pai não viria. trabalhava tanto por tudo o que queria, que era dar às filhas o melhor que havia.
olhava o caminho, tão longo parecia. estrada infinita negrinha negrinha. o alcatrão quente quase derretia que o verão era forte. pesavam-lhe os pés o corpo doía.
súbito parou.
- não posso mais, mãe!
o rio de lágrimas molhava-lhe o peito da cara escorria.
- dói-me os calcanhares dos braços, não posso!
o ranho caía.
- não abanes tanto as mãos, não sabes andar?
era dura a voz era dura a mãe era a vida dura e ela não sabia.
só sabia o negro da infinita estrada. irreal ao vê-la.
- não posso mais, mãe...
e a mãe carregou mais aquele fardo. pequeno talvez mas era já mais do que a mãe podia.
era quase noite. era ainda dia.
ela adormeceu e de mais não lembra . como o lembraria se chegada a casa ainda dormia?